Pode agora alguém ser anglicano e católico ao mesmo tempo?

Pode agora alguém ser anglicano e católico ao mesmo tempo?

Pe. Peter Scott, da FSSPX (tradução de Carlos Nougué)

Gracias Eduardo Santiago de Sousa

A Constituição Apostólica de 4 de novembro do Papa Bento XVI abriu uma nova via para os anglicanos “serem recebidos, também corporativamente, na plena comunhão católica” (Anglicanorum coetibus). Trata-se de novo e revolucionário tratamento do problema dos “irmãos separados”, tratamento considerado por alguns o lance mais ousado da Igreja desde a Reforma.

A novidade aqui é que os anglicanos passam a ser tratados da mesma forma que os cismáticos ortodoxos orientais quando estes retornam à verdadeira Igreja. Ser-lhes-á permitido manter a identidade anglicana ao mesmo tempo que se tornam católicos. Serão canônica e liturgicamente diferentes do restante da Igreja Católica, e por conseguinte lhes será permitido ter suas próprias paróquias, bispos, padres casados, costumes litúrgicos e espirituais. Isso é normal para os cristãos de rito oriental que voltam do cisma para o seio da Igreja, pois sua liturgia, espiritualidade e tradições são antigas como as do rito latino. Além disso, são essencialmente cismáticos, e não hereges, sendo suas poucas heresias de origem recente e fáceis de corrigir (como a negação do purgatório, da Imaculada Conceição ou da infalibilidade papal).

Tal analogia é correta e justa? Um exame detido patenteia uma série de diferenças:

1) Há, antes de tudo, a motivação. A maioria dos que pedem entrada na Igreja Católica já se separou da “comunhão” anglicana, tal como ela é. E o faz não tanto por sua rejeição do mesmo anglicanismo, mas devido à nova orientação da igreja anglicana a partir de 1991, a qual abriu o sacerdócio e o episcopado a mulheres e homossexuais praticantes e abençoou uniões do mesmo sexo, coisas evidentemente opostas à Bíblia, princípio basilar do protestantismo.

2) A segunda e maior diferença é que o anglicanismo tem ordens inválidas e, por conseguinte, nenhum outro sacramento além do batismo e do matrimônio, diferentemente dos ortodoxos, cujos sete sacramentos são válidos.

3) Uma terceira diferença é que o anglicanismo, desde sua origem mesma, é de todo herético e protestante. Desde a época de Thomas Cranmer até os dias de hoje, todos os ministros anglicanos sempre adotaram as teorias de Lutero e outros reformadores protestantes. O anglicanismo é verdadeiramente uma forma de protestantismo, razão por que sempre aceitou a intercomunhão com todas as seitas protestantes. Se por um lado é verdade que o movimento de Oxford, em meados do século XIX, levou a um retorno a uma forma mais tradicional de espiritualidade, culto e piedade, isso porém não significou um renascimento do interesse pelos aspectos católicos do anglicanismo, pois estes nunca existiram. Foi uma descoberta de alguns dos tesouros da Igreja Católica. Não obstante, tais anglicanos da alta igreja, como passaram a ser conhecidos, não seguiram a conversão do Cardeal Newman, de 1845, mas optaram por permanecer anglicanos. Os anglicanos da alta igreja, assim, não tiveram coragem de se converter à verdadeira Igreja, precisamente como agora.

4) Uma quarta diferença e conseqüência do fato de o anglicanismo ser uma seita protestante é ele não ter nenhuma unidade nem autoridade doutrinal. Há tantos ramos do anglicanismo quantos anglicanos há. É larga a liberdade de ter as opiniões e condutas que mais lhes aprazam, de modo que cada um pode escolher sua prática religiosa por si mesmo.

5) Uma quinta diferença é o fato de o anglicanismo não ter a tradição espiritual e monástica dos ritos orientais. Foi o próprio fundador do anglicanismo, Henrique VIII, o responsável pela destruição de mil mosteiros na Inglaterra. Se no século passado se fez um pequeno esforço para formar algumas poucas comunidades religiosas, foi apenas por seguir o exemplo de alguma espiritualidade católica; não por se tratar de tradição anglicana.

6) Uma sexta diferença é que no anglicanismo não há uniformidade litúrgica alguma. Os livros de orações, completamente protestantes, pretenderam de 1549 e 1661 propiciar essa uniformidade, mas foram suplantados em anos recentes, e os anglicanos da alta igreja em grande parte os rejeitaram ou adaptaram, conforme uma variedade de combinações da nova liturgia anglicana com certos usos tomados de empréstimo, como o antigo e ressuscitado rito Sarum, em uso na Inglaterra antes da Reforma, ou o rito tridentino em inglês, ou a missa nova. Não há nenhuma tradição litúrgica anglicana além do livro de preces de 1661.

Por que, então, estaria tão determinado o Papa a tratá-los do mesmo modo que aos ortodoxos orientais? Ele o explica muito claramente nesta mesma Constituição Apostólica; explicitamente pela nova definição da Igreja de Cristo dada pelo Vaticano II. Diz-se que ela “subsiste” na Igreja Católica, sem ser idêntica a ela. É por essa razão que as divisões entre os batizados devem considerar-se como divisões internas da Igreja e como danificadoras da nota de unidade que caracteriza a verdadeira Igreja. Donde Bento XVI afirmar na Anglicanorum coetibus que “toda e qualquer divisão entre os batizados em Jesus Cristo fere aquilo que a Igreja é e aquilo para o qual ela existe”. Daí que a unidade entre os batizados se transforme em algo absoluto, por buscar a qualquer preço, sendo agora a “unidade na diversidade”, portanto, o objetivo por alcançar. O ensinamento católico tradicional faz da Fé, do culto e dos sacramentos o absoluto e determinante da unidade da verdadeira Igreja Católica, como se pode ver pela definição de Igreja dada pelo catecismo. A separação de hereges e cismáticos, por deplorável e triste que possa ser, absolutamente não fere a Fé, o culto, os sacramentos e a autoridade hierárquica, porque a Igreja de Cristo é idêntica à Igreja Católica Romana.

As conseqüências de tal urgente necessidade de falsa unidade com parca base real não são aceitáveis para o espírito católico. Eis algumas delas:

● Não haverá conversão alguma propriamente dita, com abjuração de heresia, profissão pública da Fé católica e absolvição da censura de excomunhão. Declara-se simplesmente que os fiéis leigos “originariamente pertencentes à Comunhão Anglicana que desejam pertencer ao Ordinariato Pessoal devem manifestar essa vontade por escrito” (IX). Não há nenhuma admissão de erro por estarem fora da única verdadeira Igreja, nem pedido de admissão na única Igreja verdadeira.

● Não há nenhuma profissão de Fé em nenhum dos artigos de Fé que foram negados pela igreja anglicana por 450 anos. Tudo quanto se exige é a aceitação implícita desta afirmação: “O Catecismo da Igreja Católica é a expressão autêntica da fé católica professada pelos membros do Ordinariato” (I, §5). Mas este catecismo do Vaticano II, de 1993, é bastante ambíguo, particularmente nos pontos de doutrina em que os protestantes discordam da Igreja Católica, e a aceitação implícita de tal declaração é algo muito distinto do juramento condenatório de todas as heresias protestantes que se encontra na Profissão de Fé tridentina de Pio IV.

● Permite-se aos anglicanos manter os livros litúrgicos e as preces anglicanos, a espiritualidade e os costumes pastorais anglicanos: “O Ordinariato tem a faculdade de celebrar a Eucaristia e os demais Sacramentos, a Liturgia das Horas e as demais celebrações litúrgicas de acordo com os livros litúrgicos próprios da tradição anglicana que foram aprovados pela Santa Sé, de modo que se mantenham as tradições espirituais, litúrgicas e pastorais da Comunhão Anglicana dentro da Igreja Católica” (III). A breve cláusula restritiva de aprovação pela Santa Sé nada tira do caráter profundamente inovador dessa disposição, que considera o protestantismo anticatólico e sua liturgia como uma tradição que se deve manter no interior da Igreja Católica. O documento declara ainda que tudo isso é um “dom precioso” e um “tesouro por partilhar”. Que insulto a católicos como São Tomás Morus, São João Fisher e Santo Edmundo Campion, que deram a vida por recusar-se a se tornar anglicanos, e a autênticos convertidos como o Cardeal Newman, que espontânea, mas necessariamente, deixaram as inválidas, heréticas e protestantes cerimônias anglicanas para tornar-se autênticos católicos!

● Padres casados continuarão a ser um modo de vida neste ordinariato, como na igreja anglicana. Ministros casados que entrem no ordinariato podem ser ordenados, e futuros padres que já sejam casados podem ser ordenados. Essa é uma forma bem eficiente de minar o tesouro do celibato clerical, um dos grandes sinais externos da santidade da Igreja. Se não podem ser aceitos bispos casados, homens casados, de qualquer modo, podem tornar-se padres com a jurisdição de um ordinário (cf. Nota publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé em 20 de outubro), contornando-se assim o “problema” do celibato clerical, que tais anglicanos não estão dispostos a abraçar.

A tragédia de tudo isso é que esses anglicanos serão considerados católicos e anglicanos ao mesmo tempo, apagando-se grandemente, desse modo, a distinção entre verdade e erro, Fé e infidelidade, submissão e independência. O próprio Cardeal Levada o admite, quando descreve a vaga e tênue base dessa unidade: “Eles declararam compartilhar a Fé Católica comum tal como expressa no catecismo da Igreja Católica e aceitar o ministério petrino como querido por Cristo para a Igreja. [O que significa isso? Infalibilidade papal? Verdadeiro poder de governo, ou apenas um posto honorífico?] Para eles chegou o momento de exprimir essa unidade implícita na forma visível da plena comunhão.” (Ib. in zenit.org).

Se certamente devemos recear que tal aceitação confunda os católicos e apenas confirme ainda mais esses anglicanos em seus falsos princípios e tradições, devemos porém rezar para que eles um dia se convertam verdadeiramente à prática plena e integral da Fé católica, fora da qual não há salvação.

Original inglês:
“Can one be now Anglican and Catholic at the same time?”, http://angelqueen.org/forum/viewtopic.php?t=29092 .

13 comentarios sobre “Pode agora alguém ser anglicano e católico ao mesmo tempo?

  1. ¿Se puede ser anglicano y católico a la vez?
    La Constitución Apostólica del 4 de noviembre del Papa Benedicto XVI abrió una nueva vía para los anglicanos “ser recibidos en plena comunión Católica tanto individual, como colectivamente” (Anglicanorum coetibus). Se trata de un nuevo tratamiento revolucionario al problema de “los hermanos separados”, tratamiento, considerado por algunos, como el movimiento más osado por la Iglesia desde la Reforma.

  2. La novedad aquí, es que los anglicanos serían tratados de la misma manera que los cismáticos Ortodoxos Orientales cuando ellos regresan a la Iglesia verdadera. Se les permitirá conservar su identidad anglicana al mismo tiempo que se convierten en católicos. Serán canónica y litúrgicamente distintos del el resto de la Iglesia Católica, y por consiguiente, se les permitirá tener sus propias parroquias, sus obispos, sacerdotes casados así como sus costumbres espirituales y litúrgicas

  3. Esto es normal para los cristianos del rito Oriental que regresan del cisma al seno de la Iglesia, pues su liturgia, espiritualidad y tradiciones son tan antiguas como para los del rito Latino. Sin embargo, escencialmente son cismáticos, no heréticos, las pocas herejías tienen un origen reciente y se corrigen fácilmente (como la negación del Purgatorio, la Inmaculada Concepción o la Infabilidad Papal)

  4. 1) Primeramente, la motivación. La mayoría de quienes piden entrar a la Iglesia Católica ya se han separado de la “Comunión” anglicana, así tal cual es. No tanto porque rechacen al anglicanismo por sí mismo, sino debido a que la iglesia anglicana tiene una nueva orientación desde 1991, que ha abierto el sacerdocio y el episcopado a las mujeres y a los homosexuales activos, ha bendecido uniones de personas del mismo sexo, todo esto está claramente opuesto a lo escrito en la Biblia, principio fundamental del Protestantismo.

  5. 2) La segunda y mayor diferencia es que el anglicanismo tiene órdenes inválidas y por consiguiente no tiene más sacramentos que el bautismo y el matrimonio, a diferencia de los Ortodoxos que tienen todos los siete sacramentos válidos

  6. 3) Una tercera diferencia, es por el mismo origen herético y protestante del anglicanismo. Desde la caída de Thomas Cranmer, todos los ministros protestantes abrazaron las teorías de Lutero y de los otros reformadores protestantes. En realidad, el anglicanismo es una forma de protestantismo, es por esta razón, que existe una intercomunión con todas las sectas protestantes que siempre han aceptado.

  7. Ad 2um: se confunden los diferentes grupos anglicanos y se los reduce indebidamente a la unidad. Se olvida un importante dato histórico: hHa sido una práctica común entre los anglicanos de la «alta iglesia», o anglo-católicos, el ser reordenados por obispos ortodoxos, veterocatólicos o mariavitas. En esos casos el sacramento del orden lo han recibido válidamente. Si los reordenan, será reordenados sub conditione.

  8. Emm@ o como te llames:

    ¿Debate sobre el «sedevacantismo»?.

    Las tonterías y afirmaciones gratuitas, gratuitamente se niegan, NO SE DEBATEN…

    Asimismo la Fe no se discute…se combate al error y la herejía, o se defiende a los herejes como tú…A menos que no seas cristian@…

    Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum

  9. Emm@ o como te llames,

    Aunque «Logancito» no es más que un «miniteólogo» ¡SÍ QUE ESCRIBISTE PARA «DEBATIR» CON ÉL!:

    Como exiges una demostración de todo, ahí te va…

    Dsite ¡116, 383 golpes de tecla! en 39 páginas tamaño A4, conteniendo
    220 párrafos o 1679 líneas…uuufff

    ¿No te parece que para «debatir con un simple «miniteólogo» te tomaste demasaidas molestias?. ¡Casi un libro escribiste!, y esto que según dices:

    «pues no dispongo del tiempo que poseen comentaristas oficiales como Logan»…

    CRIATURA, ¿QUÉ SERÍA SI TUVIERAS TIEMPO?. Si hasta yo me cansé para leer todo el cariño que me profesas…Acaso, ¿no te apellidas Calderón?

    En fin, lamento de veras que huyas con el pretexto de tus ocupaciones…la verdad aprendí mucho de tus contradicciones.

    Asimismo te reitero el agradecimiento, el cual hago extensivo a el capítulo de los 40 ladrones de la lista de Schindler (los Sabios de Ecône), quienes por fin nos enviaron a alguien que sí se sabe el script, no como el autodenigrado Joelito, la Pancha Cracia, o el Güelfo Pierleoniesco.

    Au revoir (idioma oficial de los Sabios de Ecône)…no esperarán que les desee feliz Hanukah…

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